Acredito que de todos os filmes que já assisti, nenhum tenha me impactado mais do que A Sociedade dos Poetas Mortos. Não à toa, sua frase de efeito se gravou em minha memória e sempre tem um espaço especial em minhas divagações sobre a vida: “Carpe Diem. Aproveitem seu dia rapazes. Façam suas vidas extraordinárias.” E claro, divagar sobre as questões da vida levam à inúmeros questionamentos e as inquietações sobre a existência é uma irritante boa amiga.
Minha falta de cabelos na fronte e predileção por películas do século passado levantam a suspeita de que a primeira vez que assisti a essa obra vencedora do Óscar de 1990, não havia Google, Wikipedia ou YouTube para buscar maiores significados para a frase, então me restava apenas as conversas com amigos sobre meros achismos. Claro que com o tempo isso foi mudando, mas a pergunta principal persistia: o que o personagem John Keating quis dizer com eu poder criar uma vida inteira que vale a pena ser vivida, que seja extraordinária, simplesmente aproveitando o dia? Como que um dia pode mudar toda a vida? Será que pode?
Então, passei a vez por outra retomar esse pensamento e a pesquisa.
Segundo o site Treccani, instituto que publica a enciclopédia italiana de ciência, letras e arte, a citação em latim Carpe Diem vem de Horácio, conhecido por ser um dos maiores poetas romanos de seu tempo e entusiasta da filosofia epicurista. As duas misteriosas palavras vieram de um poema, escrito que meio por encomenda entre os anos 23 e 15 antes de Cristo, para Mecenas, enquanto esse se ocupava de cálculos astrológicos para saber se viveria muito ou pouco.
O conselho de Horácio à Mecenas foi para não se questionar sobre quando seria seu fim, pois isso seria praticamente um crime contra os deuses, pois esse é um conhecimento que só a eles pertencem. A conclusão de Horácio é que pode ser que os deuses nos tenham concedido muitos ou poucos anos, ou talvez nos reste apenas um, e enquanto divagamos sobre o restante da vida estamos, inclusive, perdendo tempo de vida... enquanto gastamos nosso precioso tempo pensando sobre o tempo, esse invejoso nos foge – então o que nos resta é aproveitar o dia, sendo minimamente crédulo no amanhã.
Amigos, Horácio tem completa razão. Pois eis uma cômica verdade sobre a vida: a neurociência nos explica de forma muito exata sobre o motivo pelo qual não nos lembramos do dia de nosso aniversário que será no ano que vem, e da mesma forma, a ciência da física nos explica de forma completamente incontestável o motivo pelo qual é totalmente improdutivo planejarmos como será o nosso aniversário do ano passado. Parece que lembrar-se do futuro ou planejar o passado é algo tão bobo de ser dito em voz alta que podemos até pensar que cientistas as vezes são idiotas em se ocupar de explicar coisas tão óbvias... porém, não é exatamente isso que fazemos todos os dias? Pensar em como seria se tivéssemos tomado outras decisões no passado ou empenhando uma imensa energia em tentar controlar um futuro que não temos garantia nenhuma que acontecerá? Pensando bem, se esses cientistas são idiotas, então acho que eu também devo ser porque também fico pensando em tais coisas... e se você pensar bastante e também chegar à alguma conclusão sobre isso, está carinhosamente convidado para entrar no clube.
Ironicamente, a escola retratada no filme se trata de um lugar extremamente tradicionalista, com todos seus recursos empenhados maximamente em manter os costumes previamente estabelecidos com o intuito de arquitetar um futuro tão igual quanto o passado, sendo assim altamente previsível e controlável. Oras, honestamente, se você já passou dos 15 anos e tem pelo menos dois neurônios funcionais, sabe que por mais que tenhamos desejo pelo controle e previsibilidade, esse desejo nada nos garante. Obvio que é absolutamente aterrorizante a conclusão de que o desejo pelo controle não passa de uma mera fantasia.
Agora, gostaria muito de sua atenção neste parágrafo. A escola que o filme retrata pode muito bem simbolizar nossa vida inconsciente – empenhando-se ao máximo para manter tudo sob um eterno controle. Quando algum elemento transgressor surge, o problema jamais é do caos iminente do universo e da impossibilidade de controlá-lo, mas sim dos métodos que estão ineficientes (óbvio). Assim, o membro transgressor deve ser punido, e as metodologias ainda mais apertadas para que o controle e a previsibilidade aumentem. É assim também com nossa vida, não? Nossa fantasia de controle do caos é assim também. Aprendemos desde a adolescência que se as coisas dão errado em nossa vida a culpa não é do caos do universo, mas unicamente nossa.
Quer um exemplo? Eu aposto que se você vasculhar suas memórias com honestidade, vai lembrar que no dia mais importante de sua vida, tudo o que você menos precisava era ficar ansioso, mas tudo o que você sabia que iria ficar era ansioso... então você usou todos os recursos que tinha à mão para tentar impedir que isso acontecesse – até terapia pode ter feito – e isso não ajudou de nada, pois nesse dia, quem pegou primeiro na sua mão, foi a senhora ansiedade e não largou de você até que o dia acabasse.
Mas continuemos com a análise simbólica. Da mesma forma que a escola pode ser um símbolo da nossa luta infrutífera contra o controle, o professor John Keating é o elemento transgressor necessário que muda tudo, e apesar de no fim do filme ele ser expulso da escola como uma punição (hey, o filme tem mais de 30 anos, não é spoiler), ele deixa um legado indelével no coração dos estudantes. O mais interessante é que sua transgressão não é violenta, não é agressiva, mas é apaixonante, pois ensina os rapazes a se apaixonar pela vida, pelas coisas belas e, principalmente, ensina que eles têm o direito de decidir o que é belo para eles, rompendo com os padrões impostos até mesmo do que seja a beleza.
Então meus amigos, eis a resposta à pergunta inicial: como afinal o Carpe Diem nos proporcionaria uma vida extraordinária? Como que viver o aqui e agora nos garante um futuro melhor? A paradoxal resposta é: não garante! Contudo, nos livra das amarras de gastar nosso precioso tempo na preocupação de como gastar nosso precioso tempo. Em palavras muito menos graciosas, a vida se vive vivendo, com o corpo, com as paixões, com o coração bombeando o sangue e a adrenalina e a endorfina e a serotonina... não dentro de nossas mentes apenas nas sinapses neuronais. A imaginação e o pensamento são as melhores coisas que temos, mas não podem se resumir aos únicos recursos que possuímos, pois a vida existe na interação do corpo com a realidade ao nosso redor, e não apenas na intenção que não sai do meio das nossas orelhas. Obviamente não vivendo loucamente como se não houvesse amanhã, mas, tal qual Horácio nos ensina, preocupando-nos minimamente com ele - não nos esquecendo de que existe, mas também não em demasia.
E assim, como disse Horácio e os epicuristas, talvez, apenas talvez, pois nenhuma garantia nos é dada, vivendo um dia após o outro, aproveitando um dia após o outro, sendo guiados pelas nossas virtudes e valores, no dia que os deuses estiver estabelecido para nosso fim, podemos olhar para trás, em nossa própria história, e entender que tivemos a chance de fazermos de nossas vidas, extraordinárias.
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